Trópicos ainda tristes sob o colonialismo - Escritor CF Scuo
Lino BregerOpiniões acerca do mundo

Trópicos ainda tristes sob o colonialismo

Embora formalmente abolido em grande parte do mundo, o colonialismo nunca foi eliminado na prática. Ele perdurou através de formas econômicas e culturais. E agora que o período histórico do pós-Segunda Grande Guerra chegou ao fim, o colonialismo ganha força outra vez.

As relações econômicas entre países ricos e pobres são organizadas através de estruturas e acordos comerciais desiguais. Estudos ligados à justiça climática apontaram que, para cada $1 dólar que países pobres extraem de países ricos, estes, em contra-partida, tomam para si $80 dólares de países pobres.

Outro estudo recente, encomendado pela Coalização pelo Capital Natural, estimou que nenhuma das grandes corporações do Ocidente seriam lucrativas não fosse a externalização dos custos. Enquanto os lucros escoam para os países ricos, as externalidades, ou os custos - que o relatório coloca na casa de mais de 1 trilhão de dólares anualmente - recaem majoritariamente sobre os países pobres.

A face mais explícita do colonialismo se mostra por meio de intervenções, militares ou não, de países ricos em países pobres. Uma amostra desse poder interventor se revela agora no Brasil, quando as empresas estrangeiras de tecnologia acionam seus mecanismos manipulativos de circulação de informação e desinformação a fim de influenciar no processo legislativo.

O colonialismo tupiniquim


Há no Brasil uma verdade: muito comum as leis não pegarem, isto é, não se fazerem efetivas no dia a dia das pessoas. Trata-se de uma evidência do caráter colonial do país, podendo-se remontar o início de tal prática a 1822, quando da independência de Portugal - sem, de fato, jamais deixar de ser colônia de estrangeiros.

O colonialismo é a sociedade brasileira. A elite do país, por exemplo, é dominada por pessoas brancas, enquanto a maioria da população é composta por pessoas negras e de outras descendências. Além disso, conservou-se primorosamente uma sociedade com elevadíssimo índice de desigualdade econômica, em parte consequência das relações econômicas com os países ricos.

A cultura igualmente reflete o colonialismo da sociedade brasileira. O colonizador se faz representar, entre os colonizados, enquanto cultura superior. Famoso no Brasil o caráter de vira-latismo, uma expressão de inferioridade cultural que atinge da elite aos mais depauperados: somos os mais corruptos, os mais preguiçosos, os menos produtivos, etc.

Perde-se com isso a possibilidade de se criar uma identidade coletiva. As parcelas da sociedade se fraturam e segregam, em especial as elites, que se espelham no europeu ou norte-americano.

Não se cria uma identidade coletiva, cujo lugar de organização, na época moderna do capitalismo, é o Estado. A maioria da sociedade permanece alijada do Estado e da possibilidade de participar de uma construção coletiva. É o caso brasileiro.

Um dos maiores exemplos, como explicou o economista André Lara Resende, diz respeito à dívida pública do país. Utilizada para financiar o mercado financeiro doméstico e privado, portanto na mão de uma elite exclusiva, a dívida corresponde a mais da metade do orçamento anual do Estado brasileiro.

Mas a lista se estende a diversos outros elementos, como o sistema regressivo de impostos ou a forma de atuação do judiciário.

Falta de confiança


Não à toa, a sociedade colonizada brasileira se caracteriza por incisiva violência e exploração. Violência que se mantem em estado de conflito civil em contenção permanente através de um aparato de segurança militarizado, da terceira maior população carcerária mundial, e de um sistema jurídico-policial atuante quase exclusivamente para punir furtos e tráfico.

Esse trópico brasileiro, ainda triste sob o colonialismo, leva as pessoas, diante de uma inescapável sensação de insegurança, a nutrir falta de confiança nas instituições. Daí se deriva o maior costume político da república brasileira: o voto no salvador da pátria.

Distanciado das instituições, das quais desconfia, o brasileiro comum não acompanha nem compreende a centralidade das câmaras de vereadores e assembleias legislativas para a construção da vida cotidiana. Aposta ingenuamente todas as fichas na figura do chefe do executivo.

Uma aposta que nunca dá certo em um sistema cujo poder se divide entre executivo, legislativo e judiciário.

Colonialismo 3.0


A perspetiva atual e futura não é das mais animadoras. Os países ricos do Ocidente enfrentam desafios internos e externos, para os quais a resposta tem sido a intensificação do colonialismo. Veja-se a resposta, tanto da Europa quanto dos Estados Unidos, frente ao movimento migratório de pessoas de países pobres para países ricos.

Os muros para conter aqueles que sonham em ingressar na civilização, fugindo de suas realidades colonizadas, não foram derrubados. Pelo contrário, eles continuam a existir, sendo reforçados ou expandidos.

Barcos ainda naufragam no mediterrâneo. Milhares de pessoas existem em suspensão em campos de refugiados e centros de detenção. Grupos ainda morrem ou sofrem abusos na travessia entre o México e os Estados Unidos.

Enquanto isso, vozes e grupos políticos de direita ecoam nos países ricos mensagens anti-imigrantes: anti-africanos, anti-árabes, anti-latino-americanos.

A reação mais importante, no entanto, é a econômica. Os países ricos apertam o cinto de suas colônias, a fim de lhe extrair mais riqueza, fenômeno que vem se observando no Brasil ao longo dos últimos anos, como exemplificado pela perda da soberania energética da cadeia de óleo e gás - e internacionalização do preço dos combustíveis -, pelo desmonte de leis e instituições que coibiam externalizações, pelo contrabando de madeira e ouro para o exterior, etc.

E assim o país fica cada vez mais bárbaro e bestializado. O poder, por sua vez, se expressa mais e mais pela lógica do crime organizado e da milícia. Como diz a música: "o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui".




Por Lino Breger
Agitador Cultural

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