Tristes Trópicos frente ao Colonialismo 3.0

Gravura tipográfica em preto e branco mostrando blocos de dinheiro em movimento, saindo do nordeste do Brasil e migrando em curva ascendente em direção à Europa e à América do Norte, sobre fundo de linhas paralelas que sugerem o oceano.
Embora formalmente abolido em grande parte do mundo, o colonialismo nunca foi eliminado na prática. Ele perdurou por meio de formas econômicas, políticas e culturais. E, agora que o período histórico do pós-Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, o colonialismo ganha força outra vez.

As relações econômicas entre países ricos e pobres continuam estruturadas por acordos e instituições desiguais. Diversos estudos ligados à justiça climática e à economia política global apontam que, para cada 1 dólar que países pobres captam de países ricos, estes, em contrapartida, apropriam-se de dezenas de dólares em recursos naturais, trabalho barato, rendas financeiras e serviços ambientais. Trata-se do fenômeno conhecido como troca ecológica desigual, descrito desde as teorias de dependência latino-americanas até a sociologia ambiental contemporânea.

Outro estudo recente, encomendado por uma coalizão de pesquisadores em contabilidade ambiental e economia ecológica, estimou que nenhuma das grandes corporações do Ocidente seria lucrativa sem a externalização de custos sociais e ambientais. Enquanto os lucros escoam para centros financeiros de países ricos, as externalidades - avaliadas por alguns relatórios em mais de 1 trilhão de dólares anuais - recaem majoritariamente sobre países pobres, seus ecossistemas e populações.

A face mais explícita do colonialismo se revela através de intervenções - militares ou não - de países ricos em países pobres. Hoje, isso inclui novas formas de influência: plataformas digitais, conglomerados de mídia transnacional, empresas de tecnologia capazes de manipular fluxos de informação e desinformação, moldando debates públicos e interferindo em processos legislativos nacionais. No Brasil, essa capacidade interventora já se faz notável.

O colonialismo tupiniquim

Há no Brasil uma verdade conhecida: é muito comum que leis não “peguem”, isto é, não se tornem efetivas no cotidiano. Trata-se de um indicador da formação colonial do país, remontando a 1822 - quando se proclamou a independência de Portugal sem, de fato, romper com estruturas e práticas coloniais. O Brasil tornou-se independente sem deixar de ser, de muitas formas, colônia - primeiro de impérios europeus, depois de capitais e interesses estrangeiros variados.

O colonialismo é constitutivo da sociedade brasileira. A elite do país, por exemplo, continua majoritariamente branca, enquanto a maior parte da população é composta por pessoas negras ou de outras origens mestiças. Conservou-se, com precisão quase cirúrgica, uma sociedade com um dos mais altos índices de desigualdade do mundo - em parte consequência das relações econômicas dependentes estabelecidas com os países ricos desde o século XIX.

A cultura brasileira reflete igualmente essa herança. O colonizador se apresenta entre os colonizados como cultura superior. Daí a persistência do famoso complexo de vira-lata, expressão que sintetiza a sensação de inferioridade cultural: “somos os mais corruptos”, “os mais preguiçosos”, “os menos produtivos”, “os menos civilizados”. Esse auto-desprestígio atravessa da elite aos setores mais pobres, e é reforçado pela comparação constante com padrões europeus ou norte-americanos.

Com isso, perde-se a possibilidade de construir uma identidade coletiva autônoma. As parcelas da sociedade se fraturam e se segregam - especialmente as elites, que se espelham no estrangeiro e reproduzem padrões culturais de fora, muitas vezes em detrimento dos nacionais.

Sem a construção de uma identidade coletiva compartilhada - cujo lugar de articulação, na modernidade capitalista, é o Estado - grande parte da população permanece alijada da vida política e da participação cidadã. É o caso brasileiro.

Falta de confiança

Não por acaso, a sociedade brasileira - herdeira de estruturas coloniais - se caracteriza por violência e exploração. Essa violência se mantém como uma espécie de conflito civil permanente, controlado por um aparato de segurança militarizado, pela terceira maior população carcerária do planeta e por um sistema jurídico-policial voltado quase exclusivamente para punir crimes patrimoniais de baixa escala e tráfico - enquanto crimes de elite são historicamente negligenciados.

Esse contexto de vulnerabilidade, insegurança e desigualdade gera uma profunda desconfiança nas instituições. Daí decorre um dos mais persistentes hábitos políticos do Brasil republicano: o voto no “salvador da pátria”.

Distanciado das instituições - das quais desconfia -, o brasileiro comum não acompanha nem compreende a centralidade das câmaras municipais e assembleias legislativas para a vida cotidiana. Deposita todas as suas esperanças na figura do chefe do Executivo, como se este pudesse resolver sozinho problemas estruturais de um Estado fragmentado.

Trata-se de uma aposta que nunca funciona plenamente em um sistema cujo poder se divide entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Colonialismo 3.0

A perspectiva atual e futura não é animadora. Os países ricos enfrentam desafios internos e externos - envelhecimento populacional, crises migratórias, desaceleração econômica - e sua resposta tem sido intensificar formas contemporâneas de colonialismo. Basta ver a reação da Europa e dos Estados Unidos ao aumento da migração proveniente do Sul global.

Os muros - visíveis ou invisíveis - permanecem. Barcos continuam naufragando no Mediterrâneo. Milhares de pessoas vivem em suspensão em campos de refugiados e centros de detenção. Grupos inteiros morrem na travessia entre México e Estados Unidos. Enquanto isso, discursos anti-imigrantes - anti-africanos, anti-árabes, anti-latino-americanos - ecoam com força crescente.

Mas a reação mais significativa é a econômica. Os países centrais apertam o cinto de suas colônias contemporâneas para extrair mais riqueza, e esse processo é visível no Brasil nos últimos anos. A perda de soberania energética, com a internacionalização dos preços dos combustíveis, exemplifica essa tendência, assim como o desmonte de leis e instituições que coibiam externalizações de danos ambientais e sociais.

Soma-se a isso o avanço do contrabando de madeira, ouro e outros recursos estratégicos destinados ao exterior, além de uma crescente dependência tecnológica e financeira, que aprofunda a vulnerabilidade nacional frente aos fluxos globais de capital.

Nesse quadro, o país torna-se gradualmente mais bestializado. A lógica de poder passa a se expressar crescentemente por meio do crime organizado, de grupos armados e da milícia, que ocupam espaços deixados pelo Estado. Como diz a música: “o Haiti é aqui; o Haiti não é aqui”.




Por Lino Breger
Agitador Cultural