O começo de um texto é a ponta do fio de uma bola de barbante. Ao puxá-lo, desenrola-se o resto da história. Esse é um fato inescapável para quem escreve. Tudo se inicia em um determinado lugar e tempo.
Isso, contudo, não significa que o começo da história para quem escreve corresponda ao começo da história para quem lê. Existem, sim, esses dois tipos de começo e, com frequência, eles não se equivalem.
Dizem que mais difícil do que escrever o começo de uma história seja escrever o meio ou, então, escrever até o final. Daí a importância, para o escritor ou para a escritora, de um bom começo, sem tropeços ou obstáculos que atrapalhem o próprio fluxo da escrita.
É como o momento da largada em uma competição atlética. Seja a corrida curta ou longa, a largada terá sua contribuição para o desempenho. Ela conta no estabelecimento do ritmo da escrita e, em certos casos, até determina se a prova será percorrida até a linha de chegada.
O Mito da Primeira Frase Perfeita
Essa obsessão com a primeira frase perfeita é, muitas vezes, o que paralisa o escritor. Há quem classifique isso como a "tirania da abertura", a pressão para que o parágrafo inicial seja tanto uma promessa ao leitor quanto uma bússola para o autor.
No entanto, é precisamente nesse momento que o autor ou a autora deve se permitir falhar. Se o começo é apenas um "fio de barbante" para iniciar o processo, ele ou ela tem a liberdade de ser imperfeito. Deve se lembrar de que o seu ponto de partida nem sempre coincidirá com o ponto de partida do leitor.
A Autonomia da História na Revisão
Ao se completar o texto, entra-se na segunda etapa: revisar e reescrever. Se o começo serviu de fio de barbante e, dele, puxamos a história, possuindo importância para o processo de escrita, essa relevância já diminui.
Nessa segunda etapa, busca-se que a história ganhe autonomia, tenha vida própria. É ela quem ditará as modificações necessárias da trama, dos personagens, da ação ou da estrutura do texto.
É muito comum que, ao se começar a escrever, não se tenha clareza do caminho que a história tomará. E só à medida que se aproxima o ponto final, o texto vai alcançando um corpo apropriado, um todo coerente.
Durante a reescrita, é possível compreender se o ponto de partida está em sintonia com o desenrolar da história. Pode-se concluir que sim, e o começo de quando se escrevia coincidirá com o começo de quem lê, talvez introduzindo-se pequenas alterações.
Pode-se igualmente concluir pela mudança no ponto de partida; às vezes, a história começa de verdade em uma passagem muitas páginas adiante – e tudo o que se escreveu até ali, se não puder ser reaproveitado de alguma forma na estrutura da trama, acabará eliminado.
Ou, na direção oposta, o manuscrito nos demanda uma reelaboração do início da história, que talvez precise regredir um pouco mais no tempo ou incluir elementos até o momento ausentes. Daí se acrescenta um trecho novo ao material, criando-se um começo diferente.
O Começo para o Leitor
Por fim, uma fórmula recorrente do mercado editorial ressalta o papel crucial do começo de uma história para captar o interesse do leitor. É, de fato, a ponta do fio de uma bola de barbante para quem lê.
O começo ajuda a capturar a leitura, mas constitui um termômetro impreciso para a qualidade de uma obra. Cada uma pedirá um começo particular, de seu lugar e tempo próprios.
Escritor
