O modernismo brasileiro ainda não acabou. Movimento cultural conhecido pela Semana de Arte Moderna de São Paulo, realizada em 1922, o modernismo se estendeu, ao longo do século XX, por diferentes lugares do país, em tempos distintos, cada qual com seus personagens.
Norteava-se por duas propostas. Primeiro, o rompimento com o formalismo acadêmico, em busca de liberdade que permitisse o experimentalismo estético. Segundo, a afirmação de uma arte genuinamente brasileira, valorizando a linguagem e os elementos populares em detrimento de padrões europeus.
Contudo, inserido no longo processo histórico da construção do mundo moderno pela Europa, e sem uma crítica de seu lugar nesse contexto, os representantes do modernismo brasileiro estavam aquém de suas propostas. O movimento sofria, desde a origem, dos males da colonialidade.
Se logrou conquistar maior liberdade criativa, ou se direcionou a atenção da arte para a riqueza de manifestações culturais do país, as limitações impediram que o movimento tivesse um alcance mais profundo. Nem marco, nem revolução: o modernismo brasileiro abriu uma fresta de luz no aposento escuro da velha ordem das coisas.
O que ainda é muito pouco.
O Velho, o Novo
A Proclamação da Independência, em 1822, e o início da República, em 1889, concorreram para que o Brasil se percebesse como um "país novo" no concerto das nações. A ideia de novidade tinha raízes antigas. Ligava-se a quando os europeus pisaram o solo das Américas, cunhando a expressão "Novo Mundo" para se referir ao continente.
Eis um dos artefatos simbólicos da colonialidade. O continente americano constituía um "Novo Mundo" porque era, até então, desconhecido dos povos europeus e ausente de suas representações geográficas. Mas também porque eles se depararam, nos trópicos, com uma vegetação luxuriante e um clima sempre quente, sem invernos severos.
Contrastava-se, assim, a América ao "Velho Mundo," onde as "civilizações" europeias maduras conviviam com as agruras das estações do ano. Para os colonizadores, as gentes que viviam no "Novo Mundo" se encontravam num estado de desenvolvimento primitivo, há muito superado pela antiga Europa, algo como uma idade de ouro, de gentes primitivas numa natureza paradisíaca.
Não era bem assim. A América abrigava civilizações, no mínimo, tão antigas quanto um dos países europeus mais antigos, Portugal, o primeiro a estabelecer definitivamente, em 1297, através do Tratado de Alcanizes, seu território e suas fronteiras. Os maias, por exemplo, que os colonizadores espanhóis encontraram já em declínio, tinham origens em 1200 a.C.
O império Inca começou com a fundação do reino de Cusco, no século XII. Expandiu-se nos dois séculos seguintes, mas se enfraqueceu por causa de epidemias e de lutas internas de sucessão, até que encontrou o colapso pelas mãos dos invasores europeus. Cusco, em 1500, consistia num grande centro urbano.
Na mesma época em que se formou Portugal, teve origem o império Asteca, cujo auge correspondeu à chegada dos colonizadores estrangeiros. Em 1500, estima-se que seu principal centro urbano, Tenochtitlán (atual Cidade do México), equiparava-se ou mesmo superava as maiores cidades europeias da época (era certamente bem maior do que qualquer cidade espanhola).
Os centros urbanos, aliás, oferecem testemunho da ancestralidade dos povos da América. Entre os séculos 800 e 1500, inúmeros centros atravessaram um ciclo de desenvolvimento, expandindo-se em grandes cidades, para depois retrocederem. Isso muito antes da intromissão dos europeus no continente.
No Brasil, os portugueses se depararam com as nações Tupi e Guarani (os últimos, descendentes dos Tupis). Suas origens remontam a cerca de dois mil anos atrás, quando, partindo do noroeste da Amazônia, empreendeu-se um dos maiores, senão o maior movimento migratório da história recente da humanidade.
Avançando por quatro mil quilômetros, os Tupis foram os verdadeiros descobridores dos planaltos, planícies e litorais atlânticos da América do Sul. Foram eles os exploradores da última região habitável do planeta ainda sem a presença de seres humanos.
Seguindo o curso de rios ou pela costa, a jornada continental dos Tupis se desdobrou em três rumos principais e simultâneos, nas direções sul, oeste e próximo ao mar. Ao longo do fluxo migratório, eles se dividiram em troncos distintos, como os Guaranis, os Tamoios, os Tupinambás e os Tupiniquins.
No auge desse empreendimento fascinante, por volta do ano 1000, a população Tupi atingiu cerca de 5 milhões de pessoas. A partir daí, com os grupos estabelecidos pelo território sul-americano, entrou-se numa fase de lento declínio.
Até que chegaram os europeus com seu projeto de genocídio. A ocupação estrangeira causou o colapso desses povos, estimando-se uma perda de 98% da população Tupi.
Bonito Por Natureza, de um Povo Preguiçoso
Na jovem nação brasileira da virada do século XIX para o XX, a noção de "Novo Mundo" se converteu em "país novo". Esse discurso, produzido após a independência, ainda preservava os traços da colonialidade. O contraste com a Europa ganhou, no entanto, outro contorno.
Se o "Velho Mundo," segundo a narrativa tradicional, acumulava uma longa trajetória histórica, ao contrário do "Novo Mundo," ele passou também a simbolizar a decadência. Para os ufanistas defensores do Brasil como "país novo," a posição da Europa como centro do progresso não estava garantida.
O Brasil, por sua vez, usufruía do vigor de uma promissora juventude, em especial porque sua natureza nunca se cansava ou se esgotava. O país dispunha de riqueza natural, que o predipunha a atingir o mesmo ou até maior progresso do que a Europa.
Se viajarmos no tempo para 2025, é possível encontrar o mesmo argumento dentro do Congresso Nacional, na fala da tribuna de um deputado federal: "O Brasil é um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais." Eis um tema que se encrustou no imaginário popular.
Durante os anos de chumbo, a ditadura militar fomentava um ufanismo ordeiro. O mesmo argumento se espalhou pelo país através da música popular, imprimindo novamente seu carimbo na identidade nacional. Em meio à escalada da tortura e da censura dos meios de comunicação, afirmava-se o país tropical, bonito por natureza.
Mas havia um problema na noção de "país novo," pós-independência. Ele significava o fim, ao menos no papel, da subjugação a uma nação estrangeira. Era preciso, portanto, deixar de ser uma colônia, superando os seus vícios e atraso. E como um país consiste numa entidade abstrata, referir-se a seus vícios e atraso significava apontar os vícios e atraso de sua população.
Em especial, a incapacidade de transformar a riqueza natural em progresso social nos moldes europeus.
A princípio, vozes isoladas sugeriram que a responsabilidade se devia aos "diretores da sociedade." Essa crítica lembrava a de Gregório de Matos, que, cerca de dois séculos e meio antes, lamentava a elite de Salvador, cuja imitação dos costumes superficiais das sociedades europeias levava a um comércio desfavorável e dependente.
Era uma sugestão complicada, e não ganhou estatura. Em especial porque o discurso a respeito do "país novo" era produzido pelos membros dessa elite imitante da moda europeia. A responsabilização, portanto, mudou de foco, aproveitando-se, para tanto, de um vigoroso artefato simbólico gerado no "velho" continente.
Ao longo dos séculos, os europeus elaboraram narrativas legitimadoras da violenta dominação que impunham a outros povos. No início do século XX, em função do anabolizante injetado pelo aparato científico, a narrativa se transformou numa pseudo-ciência, um charlatanismo com aparência de fato biológico, denominado eugenia.
A ingerência dos recursos naturais do país adviria, para os defensores brasileiros da eugenia, da degeneração do clima e da inferioridade das "raças" indígena e africana. Devido à minoria de brancos - o estrato superior da sociedade -, o problema do país recaía em sua população racializada e preguiçosa.
Dessa forma, a visão de "país novo" trouxe à tona outro tema da colonialidade, que assombraria, a partir de então, o imaginário brasileiro. Dê-se um pulo até 2020, e o tema retorna no vídeo de um velho jornalista, espalhado por mídias sociais, defendendo que o país se tornaria a primeira potência do planeta, caso japoneses substituíssem brasileiros (preconceito que se escancara diante do fato de que o Brasil abriga a maior comunidade de origem japonesa fora do japão).
Ou, durante evento para endinheirados, nas palavras de um empresário - controlador da empresa que produziria o maior calote financeiro da história do país -, sentado confortavelmente em sua cadeira, atestando a razão do atraso nacional: "o Brasil é o país do coitadinho, do direito sem obrigação, o país da impunidade."
Tão valorizada pelos modernistas, a identidade brasileira ainda se encontra, como as evidências acima demonstram, sufocada pela colonialidade. A seu modo, os modernistas do início do século XX contribuíram para essa perpetuação.
Estão Chegando os Eugenistas
A eugenia abrangia instituições, práticas, teorias e pessoas ligadas, a princípio, à biologia evolutiva e ao campo médico. Ela pregava que os seres humanos estariam separados por fatores genéticos e biológicos em raças, sendo os brancos europeus superiores aos demais.
Os praticantes da eugenia almejavam evitar a desordem e o atraso social que a mistura de raças poderia introduzir na civilização europeia. Suas recomendações incluíam o aperfeiçoamento racial das populações, o controle sobre os corpos e sobre a hereditariedade humana.
O charlatanismo científico da eugenia se construiu sem evidências factuais. Ele se desdobrou, enquanto campo "científico," de um sistema de conhecimento europeu anterior, abrangendo a biologia, a teoria malthusiana e os estudos da pré-história, área marcada pela colonialidade.
A partir de parcos registros arqueológicos - fósseis e sítios de ocupação -, o sistema de conhecimento europeu produziu a narrativa de uma lineariedade evolutiva, desde a pré-história até o presente. A história ocorria em etapas, como se fossem degraus, de desenvolvimento, em cujo ápice descansava a Europa.
À divisão evolutiva da história, corresponderia também uma divisão evolutiva dos povos do mundo. Os colonizadores europeus seriam os mais evoluídos, porque civilizados. Haviam os bárbaros e os povos primitivos, ou atrasados - estes, na sua grande maioria, submetidos à expropriação colonizadora. A eugenia veio coroar, com ares científicos, o discurso da superioridade europeia.
Ela se converteu num fenômeno cultural e político, transformando-se num símbolo da modernidade. Sua linguagem se difundiu pela imprensa, pelas escolas, por conferências, feiras e exposições. Suas recomendações foram transformadas em legislação e projetos governamentais, em medidas de higiene e sanitárias. Ela ganhou as páginas da literatura do velho continente.
O modernismo era eugenia. Também o eram os modernistas.
Existia, porém, um obstáculo na importação da eugenia para o Brasil. A procura por uma identidade nacional havia ganhado ímpetos durante o romantismo do século XIX. Os autores do período adiantaram a ideia de um país formado pelo contato do branco português com os indígenas. Ou seja, pelo encontro de duas raças.
Se o Romantismo relegou a população africana e seus descendentes a uma posição marginal na formação brasileira, esse equívoco foi logo desmanchado pelos viajantes estrangeiros. Em seus relatos sobre o Brasil, eles relataram a participação de escravizados e ex-escravos na sociedade brasileira. Também notaram a mistura deles com os brancos, em mulatos e pardos.
O Brasil, portanto, representava o oposto dos ideais da eugenia. O país abrigava um significativo contingente de não-brancos, e a mistura entre eles e os brancos já vinha acontecendo. A tal ponto que um botânico alemão criou uma noção que se prenderia na visão do "país novo." Segundo ele, a raça brasileira seria produto da mistura das três raças. Era o ponto de partida do mito da miscigenação.
Mestiços, Melhor sem Eles
Aportando em terras brasileiras no século XIX, a eugenia conheceu rapidamente as páginas da literatura. Silvio Romero endossava a tese de que o país consistia numa sociedade de raças misturadas. A mestiçagem funcionaria como um fator positivo, pois levaria, em longo prazo, ao branqueamento da população, para benefício da nação.
Por sua vez, o livro 'Os Sertões', de Euclides da Cunha, publicado em 1902, apresentava uma visão do país sob as lentes da eugenia e do positivismo. O caráter humano, e sua condição social, atrelavam-se à natureza, ao clima, à geografia, em combinação com a raça. A obra retratava os habitantes do "país novo" determinados pelo meio e pela raça.
A mestiçagem surgia, portanto, como contradição. Consistia num prejuízo para o desenvolvimento civilizatório em moldes europeus. Ao mesmo tempo, considerava-se componente inevitável da formação da identidade do "país novo," aquilo que caracterizava a identidade brasileira.
Assim como ocorreu na Europa, a eugenia também se difundiu entre setores da elite intelectual e política do Brasil no início do século XX. Obras do Realismo e do Naturalismo expuseram essa noção de "país novo" miscigenado, algumas delas sustentando que, por aqui, as raças viveriam em harmonia, uma espécie de versão branda da eugenia.
Vozes mais severas, no entanto, defendiam a eugenia em sua vertente virulenta. Para eles, o branqueamento via miscigenação não levaria a uma regeneração populacional. Defendiam projetos de seleção e segregação racial, até mesmo advogando por políticas públicas que cerceassem o direito à reprodução dos descendentes de escravizados.
Copiavam, em certa medida, os Estados Unidos, que abrigou um dos mais radicais e institucionalizados movimentos eugênicos do mundo. Leis, práticas, teorias desse país do norte foram importadas pela Alemanha nazista. Os Estados Unidos, a terra da liberdade e da realização dos sonhos, assistiu a linchamentos raciais e implementou a esterilização compulsória em escala.
No Brasil do início do século XX, foi praticamente impossível escapar à eugenia. Na literatura, um dos defensores da vertente radical foi Monteiro Lobato. Ele criou personagens marcados pelo determinismo biológico e racial, como, por exemplo, o Jeca Tatu, caboclo mestiço, fraco, indolente e preguiçoso. Um de seus romances, ambientado nos Estados Unidos, constituía um libelo a favor do radicalismo, como a esterilização dos descendentes de escravos para impedir a degeneração da raça.
Organizador e mecenas da Semana de Arte Moderna de São Paulo, Paulo Prado interpretava o "país novo" de acordo com a abordagem eugenista. Aplicando a receita determinista do meio e da raça, na linha de Euclides da Cunha, ele propunha que a excepcionalidade do estado de São Paulo se pautava pela mestiçagem entre brancos e indígenas - os mamelucos, resultantes dessa mistura, eram vistos apreciativamente.
Isolada pela Serra do Mar, a população paulista só teria começado um processo de degeneração, mesclando-se a descendentes de escravos, após a corrida do ouro. De acordo com Paulo Prado, no âmbito nacional, a mistura brasileira entre a raça branca e a raça dos descendentes de escravos teria evitado a segregação observada nos Estados Unidos. Mas os mestiços seriam uma raça inferior, incógnita quanto ao futuro da nação.
Ressalte-se que a intensa imigração do final do século XIX havia modificado significativamente o perfil demográfico da cidade de São Paulo. Em 1907, estima-se que ela abrigava duas vezes mais italianos do que brasileiros. Um processo de branqueamento, portanto, ocorreu no tecido urbano, contribuindo para dar invisibilidade à segregação vivenciada pelos descendentes de escravos.
A perspectiva da eugenia estava presente, em diferentes graus, nos modernistas. Entre eles, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Graça Aranha, Plínio Salgado e Jorge de Lima. Este último, no Congresso Brasileiro de Eugenia, realizou palestra que tocava em temas como a determinação do sexo biológico e a melhoria da raça pela hereditariedade.
A antropofagia de prateleira de Oswald de Andrade - um renhido racista - se calcava, provavelmente, na interpretação da história paulista de Paulo Prado. Seu Manifesto Antropofágico reconhecia como elemento de brasilidade apenas o indígena. Quando foi publicado o manifesto, nos bairros de descendentes de escravos do Rio de Janeiro, a genuína antropofagia, já por décadas, criava novos ritmos musicais brasileiros.
Textos da Revista de Antropofagia, e de sua expansão na imprensa literária, assinados por inúmeros autores, ostentavam tanto debates eugenistas quanto seu léxico racialista. A miscigenação aparecia ora como potência criadora, ora como processo de depuração. Em vez de rejeitar radicalmente as categorias raciais, a antropofagia de prateleira não escapou à sua lógica classificatória.
Em Mário de Andrade, a busca de uma "entidade nacional dos brasileiros" era instruída pela eugenia. Ser brasileiro significaria adquirir uma "personalidade racial e patriótica." Macunaíma, livro de 1928, tinha como personagem principal (de nome homônimo) um mestiço das duas raças não-brancas.
O traço marcante desse personagem se introduzia na abertura do livro: demorou seis anos para falar, por causa da preguiça. O ambiente da floresta que habitava se caracterizava pela penúria, nos moldes de um Jeca Tatu. Ao empreender uma jornada com destino a São Paulo, templo da modernidade, o personagem bebeu de uma fonte e virou branco.
A esse personagem, Mário de Andrade chamou, inicialmente, de "herói de nossa raça," alterando depois para "herói de nossa gente." A eugenia trabalhava aqui de modo inequívoco. Macunaíma era um herói sem nenhum caráter porque, para Mário, ele espelhava a falta de caráter do brasileiro, esse ente que nem possuía "civilização própria" nem "consciência tradicional."
A colonialidade impedia Mário de enxergar que a população brasileira possuía, sim, várias histórias.
Brasileiro, Pero No Mucho
No início do século XX, a intenção dos modernistas de desvendar a identidade nacional fracassava já no ponto de partida. Concebida e executada por uma elite imersa em eugenia e colonialidade, em vez de confrontar a realidade histórica e social do Brasil, suas propostas se limitaram às aparências.
Mais do que compreender a identidade brasileira, eles almejavam gestar um tipo de identidade pela qual o país pudesse se inserir na civilização artística internacional - isto é, aquela dos centros europeus. Uma arte que obtivesse reconhecimento.
Para tanto, nas palavras de Mário de Andrade, concorreriam as "nossas necessidades, da nossa formação por meio da nossa mistura racial transformada e recriada pela terra e clima." Mais uma vez, a noção eugênica da raça e do meio, que, aos olhos do estrangeiro, constituía o exótico. Elemento que, submetido à intervenção artística, deveria ser modificado em algo moderno.
Pretendia-se um fazer artístico semelhante ao dos países do norte, cujas bases eram capitalistas. O desafio, portanto, implicava em desprender a realização artística nacional do contexto social e econômico que a cercava: um país exportador de matérias-primas, de oligarquias regionais conservadoras, ainda preso à sua composição de colônia.
Mas como ser moderno, que equivalia também a ser eugenista? A solução viabilizada pelos modernistas foi transformar a mestiçagem, preferencialmente com o elemento indígena, num trunfo cultural. Mais tarde, ele amadureceria no mito da miscigenação pacífica, que encontraria sua forma definitiva na obra de Gilberto Freire.
O imaginário modernista dava prosseguimento à colonialidade. Equilibrava-se entre crenças arcaicas de hierarquia racial, que consideravam raças não-brancas e mestiças como degeneradas, e as possibilidades estéticas positivas de suas manifestações culturais. Mantinham-se intactos a exclusão e o autoritarismo inerentes à estrutura econômica e social do país.
Na aparência, os modernistas instauraram uma ruptura estética. Fizeram-na, todavia, sob a lógica mais profunda da colonialidade. Seu gesto de libertação cultural carregava, ao mesmo tempo, a manutenção do jugo colonialista.
Se, em vez de brasileiros, tivessem os modernistas sido japoneses!
Por Ana Clara Melo
Crítica Literária