Cidades engolidas - Escritor C F Scuo
O planeta está em transformação. O motivo somos nós - o nosso modo de vida capitalista. Estão em curso mudanças no sistema climático terrestre em velocidades sem precedentes no registro geológico.

Fenômenos naturais extremos, como tempestades, secas prolongadas e ondas de calor ficam mais intensas e frequentes. No turbilhão entre a presença humana e os fenômenos naturais em mudança, pequenas cidades ou vilas são engolidas.

O resultado são impactos tão profundas que tornam a recuperação um processo longo, demorado, parcial. A depender dos impactos, dos recursos disponíveis e da capacidade local, as pequenas cidades correm o risco de minguar.

Quando o mar toma a terra


A costa sul do Paquistão, onde se forma o delta do rio Indo, abriga uma população que vive em pequenas vilas à beira-mar e subsiste da pesca. As intervenções humanas, somadas às alterações em curso no planeta, tornaram a existência das vilas inviável. 

Do lado humano, a extração de água subterrânea, a modificação das planícies aluviais e a construção de barragens e canais interferiram nos fluxo de sedimentos para o delta do rio e no afundamento do terreno. Desde o início do século XX, estima-se que o transporte de sedimentos para o delta diminuiu em 80%.

Do lado das mudanças no sistema climático terrestre, combinam-se o aumento do nível do mar e a intensificação de eventos extremos. A região passou a experimentar maiores tempestades e inundações. Água salina se infiltra para o interior das planícies, tornando largas extensões de terra imprópria para a agricultura.

Com um fluxo de sedimentos reduzido e extremos climáticos, os processos erosivos costeiros pioraram severamente. O mar está reivindicando o que antes era ocupado por terra. De 42 assentamentos da região da União Keti Bunder, 28 desapareceram pela invasão do mar.

Não há outra alternativa aos moradores senão migrar para onde a terra ainda não cedeu. Podem ou não encontrar outro lugar para continuar o seu modo de vida.

A seca e a decisão de partir


A América Central tem sofrido com secas: entre 2015 e 2019, foram cinco anos seguidos, um fato extremamente raro. No período de 2023, a seca voltou a assolar os países da região, com temperaturas bem superiores à média do período e ondas de calor.

Um desses países é a Guatemala, onde lugares minguam porque as pessoas decidem emigrar. Como, por exemplo, a aldeia de Chuicavioc, aos pés do vulcão Santa Maria, que se transformou em uma cidade fantasma. Adultos, adolescentes e crianças se arriscaram na travessia para os Estados Unidos.

Entre eles estavam muitos jovens e crianças que abandonaram as suas casas e famílias em busca de oportunidades fora da Guatemala.

Entre 2015 e 2018, dos imigrantes ilegais detidos na fronteira entre Estados Unidos e México, um dos fatores para a migração, além da pobreza e da violência, foi a seca. Modelos climáticos apontam a América Central como uma das regiões do mundo mais exposta à diminuição de chuvas com o avanço do aquecimento.

O inferno canadense...


Em 2016, durante uma onda de calor extraordinária na província de Alberta, nordeste do Canadá - região produtora de petróleo -, fogo se espalhou pela floresta boreal. Logo ganhou enormes proporções devido aos fortes ventos, engolfando o município de Wood Buffalo e região, onde residiam muitos dos trabalhadores da indústria petrolífera.

Seguiu-se a maior evacuação devida ao fogo da história canadense, com mais de 80 mil residentes abandonando suas casas. No centro urbano local, chamado de Fort MacMurray, moravam cerca de 60 mil pessoas. Lá, as chamas destruíram aproximadamente 2.579 casas e 22 espaços comerciais.

Uma em cada cinco casas foi perdida. Outras 2.000 ficaram inabitáveis por causa de contaminação. Calculou-se um prejuízo de quase 10 bilhões de dólares canadenses, o maior da história do país. A reconstrução tem sido gradual - no meio do caminho, o município enfrentou uma grande enchente. Em 2022, 14% das propriedades destruídas pelo fogo não haviam sido reconstruídas.

...e o inferno havaiano


Um seca na ilha de Maui, Havaí, Estados Unidos. Uma combinação de fatores leva ao aparecimento de incêndios florestais: tempo seco, ventos fortes e material combustível na forma de vegetação seca.

No caminho do fogo ficava a cidade de Lahaina. A velocidade dos ventos fez crescer e espalhar furiosamente as chamas, pegando os moradores desprevenidos. Ao se darem conta do perigo, tentaram fugir de carro, gerando engarrafamentos. Muitos abandonaram os veículos para se abrigar na praia.

Ao menos 101 pessoas morreram por causa do incêndio. Estimou-se que cerca de 2.200 edificações, a maioria residencial, foram destruídas pelo fogo. Os danos econômicos somaram mais de 5 bilhões de dólares. Foi o maior desastre registrado na história do Havaí.

Chuvas que arrasam vilas


O Quênia registrou em 2023 chuvas extremas. O país testemunhou não somente uma, mas várias aldeias inteiramente devastadas por inundações. Casas, terras agrícolas e infraestruturas foram destruídas.

No mundo em mudança, eventos extremos como esse ficaram duas vezes mais prováveis de acontecer no Quênia. Dezenas de milhares de pessoas tiveram as casas afetadas e perderam a criação e o cultivo, como na cidade de Mandera.

Quase meio milhão de pessoas se viram forçadas a abandonar suas residências. As inundações trouxeram um crescimento de doenças transmitidas pela água, como cólera e diarreia em algumas áreas afetadas. Espera-se que o prejuízo causado leve anos para ser superado.

A cidade em busca de novo endereço


Há um ditado que diz: não se pode vencer a batalha contra as águas. A cidade de Brasiléia, no Acre, chegou logo à mesma conclusão. Como se não bastasse enfrentar uma cheia histórica em 2015, a cidade assistiu pasmada o nível do rio Acre, em cujas margens fica localizada, subir para níveis nunca registrados em seus mais de 100 anos de história.

A águas tanto subiram que afetaram, além da zona urbana, também a zona rural. Aproximadamente 75% da área do município acabou debaixo da água. Entre 13 e 15 mil pessoas - de uma população de 26 mil habitantes - sofreram algum transtorno por causa da inundação, sendo 1.276 desabrigados e 2.220 desalojados.

A cheia do rio provocou a destruição de 20 pontes, deixando centenas de pessoas isoladas na zona rual, e o município isolado de outras cidades.

As cheias se tornaram mais frequentes e intensas com o aquecimento. A solução, segundo a prefeitura: realocar a cidade para uma área mais elevada.

Brasiléia mostra bem o imbróglio em que nos metemos. A cidade convivia historicamente - como milhares de outras cidades brasileiras - com o problema das enchentes. Nunca uma solução satisfatória foi dada para o problema. Até o ponto em que, no mundo em mudança, o problema começou a ficar insustentável.




Por Lino Breger
Agitador Cultural

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