Mudanças Climáticas e Eventos Extremos: Cidades em Risco de Desaparecer

Ilustraçao de uma enchente de letras, com um cavalo no telhado de uma casa. Simboliza o risco enfrentado pelas cidades com as mudanças climáticas.
O planeta está em transformação. O motivo somos nós: nosso modo de vida capitalista e o padrão atual de produção e consumo. Estão em curso mudanças no sistema climático terrestre em velocidades sem precedentes no registro geológico.

Fenômenos naturais extremos - como tempestades, secas prolongadas e ondas de calor - têm se tornado mais intensos e frequentes. No entrelaçamento entre a presença humana e esses fenômenos em transformação, pequenas cidades e vilas são frequentemente engolidas pelas mudanças.

O resultado são impactos tão profundos que a recuperação torna-se um processo longo, parcial e oneroso. A depender da gravidade dos impactos, dos recursos disponíveis e da capacidade de resposta local, pequenas cidades correm o risco de encolher ou desaparecer.

Quando o mar toma a terra


A costa sul do Paquistão, onde se forma o delta do rio Indo, abriga populações que vivem em pequenas vilas litorâneas e subsistem da pesca. Intervenções humanas - como a extração de água subterrânea, a alteração das planícies aluviais e a construção de barragens e canais - interferiram no fluxo natural de sedimentos para o delta e favoreceram o afundamento do terreno. Desde o início do século XX, estima-se que o transporte de sedimentos para o delta diminuiu substancialmente.

Ao lado das ações humanas, as mudanças climáticas agravam o problema: o aumento do nível do mar e a intensificação de eventos extremos trouxeram tempestades e inundações mais severas. A intrusão de água salina avança para o interior das planícies, tornando largas áreas impróprias para a agricultura e para a captação de água doce.

Com o fluxo de sedimentos reduzido e eventos extremos mais frequentes, a erosão costeira intensificou-se. O mar vem reivindicando o que antes era terra. Na região da União Keti Bunder, dezenas de assentamentos desapareceram em razão da invasão marítima.

Sem alternativa local, os moradores são forçados a migrar para áreas que ainda não cederam - onde nem sempre encontram condições para manter seu modo de vida tradicional.

A seca e a decisão de partir


A América Central tem experiênciado secas severas: entre 2015 e 2019 houve anos consecutivos de seca em várias áreas, um fenômeno raro em escala temporal. Em 2023 a seca voltou a atingir a região, acompanhada de temperaturas acima da média e de ondas de calor.

Na Guatemala, por exemplo, algumas localidades foram esvaziando porque famílias decidiram emigrar em busca de sustento. A aldeia de Chuicavioc, aos pés do vulcão Santa María, transformou-se em cidade fantasma: adultos, adolescentes e crianças arriscaram a travessia para os Estados Unidos procurando melhores oportunidades.

Entre 2015 e 2018, a seca figurou entre os fatores que motivaram migrações registradas na fronteira entre Estados Unidos e México - junto à pobreza e à violência. Modelos climáticos indicam que a América Central estará entre as regiões mais expostas à diminuição das chuvas conforme o aquecimento avança, pressionando ainda mais processos migratórios já existentes.

O inferno canadense...


Em 2016, durante uma onda de calor extraordinária na província de Alberta, nordeste do Canadá - região produtora de petróleo -, fogo se espalhou pela floresta boreal. Logo ganhou enormes proporções devido aos fortes ventos, engolfando o município de Wood Buffalo e região, onde residiam muitos dos trabalhadores da indústria petrolífera.

Seguiu-se a maior evacuação devida ao fogo da história canadense, com mais de 80 mil residentes abandonando suas casas. No centro urbano local, chamado de Fort MacMurray, moravam cerca de 60 mil pessoas. Lá, as chamas destruíram aproximadamente 2.579 casas e 22 espaços comerciais.

Uma em cada cinco casas foi perdida. Outras 2.000 ficaram inabitáveis por causa de contaminação. Calculou-se um prejuízo de quase 10 bilhões de dólares canadenses, o maior da história do país. A reconstrução tem sido gradual - após o desastre, o município enfrentou uma grande enchente. Em 2022, 14% das propriedades destruídas pelo fogo não haviam sido reconstruídas.

...e o inferno havaiano


Na ilha de Maui, no Havaí, uma severa seca combinada com ventos fortes e vegetação seca favoreceu incêndios que avançaram com enorme rapidez. No caminho do fogo ficava a cidade de Lahaina. A velocidade dos ventos espalhou furiosamente as chamas, pegando os moradores desprevenidos.

Ao se darem conta do perigo, tentaram fugir de carro, gerando engarrafamentos. Muitos abandonaram os veículos para se abrigar na praia. Ao menos 101 pessoas morreram por causa do incêndio. Estimou-se que cerca de 2.200 edificações, a maioria residencial, foram destruídas pelo fogo. Os danos econômicos somaram mais de 5 bilhões de dólares. Foi o maior desastre registrado na história do Havaí.

Chuvas que arrasam vilas


O Quênia registrou em 2023 chuvas extremas. O país testemunhou não somente uma, mas várias aldeias inteiramente devastadas por inundações. Casas, terras agrícolas e infraestruturas foram destruídas.

No mundo em mudança, eventos extremos como esse ficaram duas vezes mais prováveis de acontecer no Quênia. Dezenas de milhares de pessoas tiveram as casas afetadas e perderam a criação e o cultivo, como na cidade de Mandera.

Quase meio milhão de pessoas se viram forçadas a abandonar suas residências. As inundações trouxeram um crescimento de doenças transmitidas pela água, como cólera e diarreia. Espera-se que o prejuízo causado leve anos para ser superado.

A cidade em busca de novo endereço


Há um ditado que diz: não se pode vencer a batalha contra as águas. A cidade de Brasiléia, no Acre, chegou logo à mesma conclusão. Como se não bastasse enfrentar uma cheia histórica em 2015, a cidade assistiu pasmada o nível do rio Acre, em cujas margens fica localizada, subir para níveis nunca registrados em seus mais de 100 anos de história.

As águas afetaram, além da zona urbana, também a zona rural. Aproximadamente 75% da área do município acabou debaixo da água. Entre 13 e 15 mil pessoas - de uma população de 26 mil habitantes - sofreram algum transtorno por causa da inundação, sendo 1.276 desabrigados e 2.220 desalojados.

A cheia do rio provocou a destruição de 20 pontes, deixando centenas de pessoas isoladas na zona rual, e o município isolado de outras cidades.

As cheias se tornaram mais frequentes e intensas com o aquecimento. A solução, segundo a prefeitura, seria realocar a cidade para uma área mais elevada.

Brasiléia mostra bem o imbróglio em que nos metemos. Convivia historicamente - como milhares de outras cidades brasileiras - com o problema das enchentes. Nunca uma solução satisfatória foi dada para o problema. Até o ponto em que, no mundo em mudança, o problema começou a ficar insustentável.




Por Lino Breger
Agitador Cultural