Não existe uma fórmula para escrever, mas existem fundamentos que podem contribuir no processo. Isso vale para qualquer pessoa - desde quem se embrenha, pela primeira vez, na prática de colocar palavras no papel até os mais experientes com a linguagem.
Os fundamentos incluem desde elementos estruturais da narrativa até nuances da linguagem e do estilo. Sua importância cresce ainda mais quando, diante da enorme quantidade de escritos produzidos cotidianamente por pessoas, soma-se a produção de autômatos modelos de linguagem.
Explorar esses fundamentos e suas ferramentas é trabalho do escritor. Por meio deles se cria uma sequência de signos em um suporte, segundo regras predeterminadas, a partir das quais o leitor se guiará. O bom escritor proporciona a melhor condução possível da leitura alheia.
Nas seções a seguir, introduz-se os principais elementos da narrativa, essenciais para quem deseja conduzir o leitor pelas palavras.
Por CF Scuo
Os personagens
Os personagens são o coração de uma história, responsáveis por conferir vida e sentido à narrativa. Eles são entidades fictícias, representações da subjetividade humana, existentes por e através do escritor e do leitor. Em geral, desempenham funções definidas: impulsionam a trama, expressam emoções, apresentam conflitos e oferecem pontos de vista sobre o mundo.
Em termos de complexidade e desenvolvimento, observa-se grande diversidade. Personagens podem ser planos - unidimensionais, próximos do estereótipo ou da caricatura - ou complexos e multidimensionais. Podem ser pessoas ou, quando humanizados, animais e objetos.
Usualmente, os personagens de uma narrativa dividem-se em protagonistas - os principais, a partir de quem a história se desdobra; antagonistas - os que rivalizam ou se opõem aos protagonistas; e personagens secundários - os que desempenham papéis de apoio.
Ao desenvolver um personagem, é importante imaginar seu perfil completo: aparência física, traços de personalidade, objetivos, medos, contradições e relações sociais. À medida que o personagem ganha vida, a narrativa se enriquece, criando empatia e identificação no leitor.
Estrutura do enredo
O enredo é a estrutura narrativa da história - a sequência de eventos que compõem a trama. É por meio do enredo que a história se move adiante. Está intrinsecamente ligado ao tempo narrativo, isto é, à maneira como o tempo é organizado dentro da narrativa.
Pode-se abordar o enredo a partir de sua ordem, que se refere à sequência dos acontecimentos. Uma sequência linear apresente eventos numa sucessão cronológica, do presenta para o futuro ou vice-versa. Uma sequência não linear, por sua vez, mistura presente, passado e futuro.
O tempo também se une ao enredo por meio do ritmo da narrativa. Trechos ocupam diferentes durações em relação ao tempo da história. A relação de um trecho narrativo com o restante proporciona um ritmo à leitura, influenciando a sensação de transcorrer do tempo da história. Trechos ou acontecimentos também influenciam o ritmo por meio da frequência, sendo repetitivos ou singulares.
Para prender o leitor até o final, é imprescindível construir um enredo e um tempo narrativo com coerência interna - evitando lacunas que dispersem a atenção. Entre as formas de enredo mais recorrentes estão, por exemplo:
- linear: eventos em sequência cronológica (começo, meio, fim);
- circular: retorno ao ponto de partida;
- paralelo: tramas simultâneas que eventualmente se conectam;
- não linear: eventos fora da ordem cronológica;
- epistolar: constituído por cartas, diários ou documentos;
- mosaico: múltiplas perspectivas;
- espiral: revisitação de temas/locais com maior profundidade;
- psicológico: foco na evolução interior dos personagens;
- mistério: enredo centrado na investigação de um enigma;
- epopeia: aventura extensa de um protagonista ou grupo.
Espaço
O espaço refere-se ao ambiente físico e ao contexto em que a narrativa se desenrola. Ele pode caracterizar personagens (origens socioculturais, hábitos, valores) e situar a ação em um período histórico ou em um contexto cultural. Funciona como matriz de imagens e significados na literatura; o espaço pode ser pano de fundo, elemento simbólico ou até motor da narrativa.
Wikipedia
O espaço pode, ainda, transformar-se à medida que os personagens e a trama evoluem: torna-se símbolo, contraponto ou costura dos acontecimentos. Pode ser realista (uma cidade, uma casa), imaginário (um planeta, uma galáxia) ou interior (o “espaço” da consciência).
Ponto de vista
Toda história possui um ponto de vista através do qual é contada - um elemento que conforma os demais aspectos narrativos e estabelece a conexão com o leitor.
Os pontos de vista abrangem a primeira pessoa (um personagem narra) e a terceira pessoa (um narrador exterior à ação). A primeira pessoa imprime o tom pessoal e as limitações de quem narra; a terceira pessoa pode variar entre uma voz mais distante e uma voz que penetra na interioridade dos personagens.
As escolhas sobre ponto de vista determinam o grau de acesso do leitor aos pensamentos, memórias e percepções dos personagens, bem como o papel do narrador na trama, que pode, ele também, personagem ou testemunha dos acontecimentos.
Fronteiras entre pontos de vista podem ser tensionadas: autores inventam narradores híbridos, múltiplas focalizações, ou personagens que, dentro da história, comentam sobre o próprio texto - estratégias que ampliam as possibilidades expressivas.
Estilo
Na ficção, o estilo é a maneira singular de moldar o texto: escolha lexical (dicção), construção frasal, imagens e figuras de linguagem, ritmo, tratamento do espaço e dos diálogos. O hábito de leitura e a prática constante de escrita são condições fundamentais para o desenvolvimento de um estilo próprio.
Elementos que compõem o estilo incluem, entre outros:- dicção: vocabulário e construção sintática;
- atmosfera: capacidade de criar ambientação;
- tratamento do tempo e do ritmo narrativo;
- uso de figuras de linguagem;
- construção de diálogos.
O estilo pode emergir rapidamente ou exigir longo exercício - é, em parte, produto da leitura, da prática e da bagagem pessoal do escritor.
- dicção: vocabulário e construção sintática;
- atmosfera: capacidade de criar ambientação;
- tratamento do tempo e do ritmo narrativo;
- uso de figuras de linguagem;
- construção de diálogos.
Edição
A famosa associação entre escrever e editar - que muitos cronistas e escritores brasileiros, como Otto Lara Resende, deixaram transparecer em sua prática - lembra que o trabalho do autor não termina com o ponto final. A edição constitui um momento da escrita.
Entende-se por edição a revisão do manuscrito em busca de clareza, coerência, ritmo, coesão narrativa e adequação de dicção; inclui cortar trechos excessivos, reformular sentenças confusas, corrigir inconsistências de enredo e eliminar figuras de linguagem desgastadas.
A prática profissional da edição de texto também cobre aspectos mecanográficos: ortografia, pontuação, padronização e consistência tipográfica - tarefas descritas em manuais profissionais de edição.
Mesmo após uma edição cuidadosa, sempre haverá ajustes a fazer; para muitos autores, a edição só se encerra com a publicação. O que é uma outra história.
Escritor
