Vivemos imersos em sequências ordenadas de informações. Elas foram essenciais para o surgimento da rede mundial de computadores, empregadas para organizar discussões e compartilhar conhecimento.
Com a evolução da internet, vieram os blogs, portais e agregadores, que também adotaram as listas. O resultado de uma pesquisa, por exemplo, é apresentado como uma longa lista de links.
Contatos telefônicos e amigos no celular também aparecem em formato de lista. Ela se espalhou por endereços eletrônicos que produzem conteúdo, bem como pelos tradicionais veículos de comunicação.
A tecnologia digital se estruturou, em grande medida, como uma imensa lista de informações, moldando nossa experiência diária. A lista extrapolou os limites textuais, transformando-se em uma das formas sociais mais significativas do início do século XXI.
Filtragem e economia da atenção
Na década de 1990, a criação da rede mundial de computadores teve como um de seus pilares o desenvolvimento da linguagem HTML - Hypertext Markup Language -, na qual se baseia a construção de qualquer página digital. Um dos principais elementos dessa linguagem, utilizado para estruturar as informações contidas numa página, são as listas.
O formato das listas encontrou sua primeira grande aplicação nas listas de discussão. Utilizando o correio eletrônico para a troca de mensagens, elas organizavam a comunicação entre grupos de pessoas de maneira centralizada. Abrangiam diversos assuntos e funcionavam tanto como meio de comunicação entre os integrantes quanto como fonte de informação.
A popularização desse formato combinou, portanto, aspectos ligados ao modo de construção da tecnologia e às vantagens do formato. Estudos de acessibilidade indicam que a navegação em páginas da internet ganha ordem e clareza quando o conteúdo é corretamente estruturado em formato de lista.
Enquanto forma de organizar o texto, a lista fatia e condensa a informação, eliminando redundâncias. Visualmente simples e bem organizadas, as listas são fáceis de processar, independentemente da complexidade do conteúdo. Facilitam a lembrança dos itens individuais - em geral, dos primeiros e dos últimos -, mas podem prejudicar a compreensão das relações entre eles.
A simplificação do conteúdo em listas torna imediata sua compreensão. Numa rede composta por bilhões de fontes e textos, o formato evita o “paradoxo da escolha”, quando o leitor se imobiliza diante de um número excessivo de opções. Assim, as listas ganharam espaço na internet por funcionarem como filtros cognitivos, reunindo em um único ponto uma grande quantidade de informações para o aproveitamento do usuário.
Empresas de tecnologia, produtores de conteúdo e veículos de comunicação logo perceberam a força desse formato para atrair usuários e transformá-los em audiência.
O domínio da forma sobre o conteúdo
Entre a década de 1990 e o início do século XXI, a internet experimentou uma explosão. De rede de computadores, passou a ser uma rede de dispositivos, com crescente relevância dos telefones celulares. Surgiram as mídias sociais, que passaram a disputar com os veículos de comunicação tradicionais a atenção dos consumidores de textos e conteúdos audiovisuais.
Para manter a audiência, as empresas de tecnologia exploraram o mecanismo psicológico do reforço intermitente variável. Diante de uma máquina caça-níquel, uma pessoa pode se tornar viciada e continuar puxando a alavanca porque nunca sabe quando virá a próxima recompensa. Essa busca imprevisível libera dopamina no cérebro e induz comportamentos compulsivos.
Para aplicar esse mecanismo em suas plataformas, as empresas desenvolveram táticas específicas, entre elas o padrão da rolagem infinita da lista de conteúdos - o timeline. A rolagem possui efeito viciante, explorando a expectativa de que um novo post traga a recompensa desejada: um conteúdo interessante, familiar ou emocionalmente validante.
A rede e as próprias mídias sociais se caracterizam por uma sobrecarga massiva de informações. Estudos da psicologia mostraram que o cérebro possui capacidade limitada para processar tanto conteúdo. Quando pré-organizado no formato de listas, reduz-se a carga mental do usuário ao navegar na internet, o que o induz ao clique e à leitura.
Pesquisas de rastreamento ocular indicaram que os usuários não leem, mas escaneiam as telas em busca de palavras-chave, títulos e pontos de interesse. As estreitas telas verticais dos celulares são inadequadas para parágrafos longos, o que favoreceu textos curtos, diretos e em formato de lista.
O modo como se estruturaram as mídias sociais teve enorme influência na produção de conteúdo para a internet. Este passou a se encaixar no mecanismo compulsivo das plataformas, funcionando como recompensa para o usuário e estimulando cliques e compartilhamentos. Fortaleceu-se, assim, o viés de confirmação: elaboram-se textos não para informar, mas para validar opiniões.
Para atrair o usuário durante sua rolagem infinita, o título deveria fornecer uma promessa clara e imediata. Além de estimular a curiosidade - pelo viés da confirmação -, o título precisava indicar extensão, tópico e formato do texto, sugerindo um investimento de tempo previsível e seguro.
A lista, portanto, converteu-se no formato ideal do ambiente digital produzido e controlado pelas empresas de tecnologia. Com isso, a internet mergulhou em conteúdos como “5 sinais de que você é um ótimo amigo” ou “8 motivos pelos quais o café da manhã é a melhor refeição”. Já não se tratava mais de comunicação entre pessoas, mas de uma disputa pela atenção.
A rede transformou-se numa arena global, onde empresas competem pela atenção dos usuários. Novas métricas se impuseram: visualizações, compartilhamentos, engajamento. O conteúdo passou a ser produzido para ser quantificável - fácil de mensurar e otimizar. Essa mensurabilidade moldou as decisões editoriais: o que gera números torna-se prioridade, independentemente da profundidade ou do interesse público.
A depreciação do jornalismo
O campo da comunicação social e do jornalismo do início do século XXI se modificou profundamente. Para entender a transição, basta o exemplo do BuzzFeed, empresa de entretenimento e notícias fundada em 2006 nos Estados Unidos. O nome da empresa já resumia a sua meta: criar conteúdo que se espalhasse rapidamente pelo ambiente digital.
A mudança estrutural introduzida pelos meios tecnológicos foi profunda. Antes, a audiência estava associada ao veículo de comunicação, que era distribuído - como o sinal das emissoras de televisão - ao longo do território. O paradigma criado pelas empresas de tecnologia rompeu com esse modelo: agora é o conteúdo individualizado que circula nas páginas da rede mundial de dispositivos e, especialmente, em aplicativos.
Para surfar na onda digital, o BuzzFeed adotou a possibilidade de compartilhamento como principal critério de produção de informação. O formato ganhava proeminência sobre o conteúdo, que combinava textos curtos, humor e imagens. Fruto de uma escolha mercadológica, a criação em série de listas numeradas e conteúdos leves era a técnica ideal para conquistar audiência.
A estética textual devia atender à dinâmica das mídias sociais. O modelo apostava na trivialidade e na economia do texto, integrando recursos visuais garimpados em outros espaços da internet - cujo capital simbólico residia na fácil propagação. Com o BuzzFeed, as listas se consolidaram como formato privilegiado para a produção de artigos.
Geralmente com vinte itens, parágrafos breves e imagens, as listas consistiam em um protocolo de transmissão de conteúdo, destinado a facilitar a leitura rápida e a propagação na rede. Perdia-se de vista o propósito de informar: prevaleciam os objetivos comerciais. A promessa de “conteúdo compartilhável” tornava-se argumento de venda, abrindo espaço para anúncios e merchandising de marca que se confundiam com a linguagem editorial.
O conteúdo em formato de lista servia mais ao anunciante do que ao leitor. Funcionava como isca para maximizar audiência, guiando o usuário a páginas monetizadas e gerando lucro para as empresas de mídia. O consumo de informação digital passou, assim, a privilegiar anunciantes e produtores de conteúdo, não leitores.
Nós, uma lista de dados
A lógica mercadológica aprofundou seu domínio sobre a internet após o estouro da bolha da internet, no início dos anos 2000. Antes, as empresas captavam dados dos usuários para aprimorar produtos e desenvolver novos. Forçadas pela crise a apresentar retorno financeiro, companhias como o Google reorganizaram-se em torno da captação e monetização de dados do usuário.
A ênfase recaiu sobre a criação de ferramentas de coleta e análise de informações para a construção de perfis individuais. Integrando dados de navegação, hábitos de leitura, cliques, páginas visitadas, localização e todas as ações associadas a dispositivos conectados, as empresas criaram listas de comportamento. A partir dessa matéria-prima, emergiu o mercado de publicidade dinâmica e altamente direcionada.
Cada um de nós virou uma entrada em uma tabela de dados gigantesca. Algoritmos de busca e redes sociais traduzem nossas ações em números e categorias, classificando-nos em segmentos de consumo. Isso permite o desenvolvimento de conteúdos cujo interesse comercial raramente é explícito.
Esse processo demoliu a antiga estrutura de produção e circulação de informações. Destruiu fronteiras entre conteúdo editorial e publicidade, embaralhou jornalismo e entretenimento, e corrompeu a figura do leitor e sua prática da leitura.
Cada busca, cada curtida, cada acesso alimenta mais uma linha dessa lista de dados pessoais. Somos, portanto, também listas ambulantes - vivendo sob filtros algorítmicos que constroem a lista de nossa personalidade digital.
O círculo se fecha
No mundo digital das empresas de tecnologia, o ciclo se fecha. Cria-se conteúdo propagável segundo crenças de um segmento de pessoas, fortalecendo o viés de confirmação. Com isso, o comportamento dessas pessoas prossegue inabalável ou mesmo se cristaliza, gerando dados captados e organizados em listas algorítmicas, que retornam sob a forma de anúncios personalizados.
As crenças moldam cliques, cliques moldam perfis, e perfis geram faturamento. A lista, antes instrumento de organização do conhecimento, tornou-se o eixo invisível de uma economia da atenção orientada pela coleta e exploração de dados humanos. Ela revela espírito mercantilista que estrutura nossas sociedades.
Se a riqueza em cultura está na diversidade e complexidade, a vida social promovida pela tecnologia digital se orienta a outro tipo de riqueza. Uma riqueza que só descansará depois de transformar a natureza e as pessoas em listas.
Escritor
