Modelos de linguagem para elaboração automatizada de textos, como o ChatGPT, têm provocado enorme excitação ao redor do mundo. Apelidados de inteligência artificial, ele têm sido propagados pelos meios de comunicação como uma tecnologia revolucionária. Capazes até, como num filme de ficção científica, de tomar o lugar dos seres humanos.
Por trás da tática promocional - ou do conto do vigário? - de vender modelos que produzem linguagem como se fossem "Inteligência Artificial", esconde-se o interesse de corporações e seus controladores individuais. Enriquecem a partir de um modelo de negócio turbinado por investimentos de muitos bilhões de dólares, sob a incerta promessa de retorno futuro.
O modelo funciona somente porque se atribuiu à tecnologia dos modelos de linguagem o toque de midas: eles transformarão o que tocam em ouro para seus acionistas. Importante, então, precaver-se contra esse debate futurista, que se difundiu no espaço público, endossado pelos meios de comunicação e pelas empresas de tecnologia. Para isso, voltemos alguns séculos para aprender com os protestos ludistas da Inglaterra.
Destruidores de máquinas?
Entre 1811 e 1817, grupos de trabalhadores qualificados da indústria têxtil inglesa se rebelaram. Escreviam cartas ameaçadoras, destruíam maquinário e, em raras ocasiões, atacavam os donos de fábricas.
O país atravessava crises severas, provocadas pelo fechamento de terras coletivas, que destruiu o modo de vida de milhares de agricultores, e pelas guerras napoleônicas. Um período de penúria para as camadas mais pobres da sociedade.
Não se tratava de um movimento amplo ou centralizado. Os ludistas eram grupos de trabalhadores de setores específicos, espalhados por diversas localidades. Tampouco era um ataque à tecnologia em si; eram protestos contra os prejuízos sociais e econômicos provocados por mudanças conjunturais.
Artesãos qualificados, por exemplo, dominavam toda a cadeia de produção. O exercício do ofício exigia formação longa e especializada, regulamentada socialmente. Os trabalhadores zelavam pela qualidade do produto e pela regulação de preços.
Na fábrica capitalista, a organização do trabalho - do tempo, da mobilidade, da sequência de tarefas, da qualidade - passou a ser orientada pelo maquinário, sob controle dos donos. Normas sociais anteriores eram abolidas para viabilizar o pleno funcionamento da indústria.
O movimento ludista buscava integrar modos sociais e direitos históricos do trabalho à nova realidade industrial, reivindicando reformas que incluíssem a distribuição dos benefícios trazidos pela automação.
Em resposta, o governo inglês mobilizou uma força militar superior à utilizada na guerra contra Napoleão para esmagar os protestos. O Parlamento promulgou uma lei instituindo a pena de morte para quem destruísse maquinário.
Vivendo a fama
Os ludistas ganharam fama injusta: foram retratados como ingênuos, contrários à automação. Essa percepção despolitizou as revoltas e ocultou a dimensão social e econômica de suas reivindicações.
Há um consenso no campo de estudos da tecnologia. Nenhum artefato tecnológico é neutro, mas elemento de um conjunto social que inclui regras, estruturas, instituições e pessoas. Todo artefato traz embutido em si questões políticas e de poder ("tudo é político", escreveu Thomas Mann).
O problema é que essa fama contaminou o mundo contemporâneo. Nós nos tornamos os ludistas da fama injusta - ingênuos, sem crítica, despolitizados -, não os ludistas de fato. Não por acaso, imersos em uma rede tecnológica global, assistimos ao colapso do debate público civilizado, diante da produção e distribuição sistemática de mentiras, teorias da conspiração e violência.
Contemplamos a incapacidade de sanar esse colapso através dos meios institucionais formais, como instrumentos regulatórios e jurídicos. O que também não é coincidência, uma vez que a rede digital seja controlada por um pequeno grupo de corporações e indivíduos, concentrando poder político sobre os Estados e a opinião pública.
Diante das novas tecnologias de geração automática de textos por modelos de linguagem, o debate se reduz ao discurso promocional estabelecido pelas corporações. Daí a ênfase em perguntas simplistas: as máquinas substituirão os humanos?; a Inteligência Artificial nos ameaça?, quando a questão crucial trata de quem controla essa tecnologia e com quais objetivos.
Diante das novas tecnologias de geração automática de textos por modelos de linguagem, o debate se reduz ao discurso promocional estabelecido pelas corporações. Daí a ênfase em perguntas simplistas: as máquinas substituirão os humanos?; a Inteligência Artificial nos ameaça?, quando a questão crucial trata de quem controla essa tecnologia e com quais objetivos.
Lucro e poder
No passado recente, a maior parte do serviço bancário exigia visitas presenciais a agências. Hoje, com os bancos digitais, milhares de transações podem ser realizadas sob supervisão de uma única pessoa. A automação e a digitalização aumentaram drasticamente a produtividade, eliminando a necessidade de atendimento presencial para funções rotineiras.
Os modelos de linguagem seguem tendência similar. Irão automatizar a produção e fluxo de textos formais e padronizados, como relatórios, contratos, artigos e documentos administrativos. Esse processo gera ganhos de produtividade para empresas e burocracias estatais, mas reduz a valorização do trabalho humano, que se torna menos necessário e menos qualificado para funções repetitivas.
Os modelos de linguagem seguem tendência similar. Irão automatizar a produção e fluxo de textos formais e padronizados, como relatórios, contratos, artigos e documentos administrativos. Esse processo gera ganhos de produtividade para empresas e burocracias estatais, mas reduz a valorização do trabalho humano, que se torna menos necessário e menos qualificado para funções repetitivas.
Empresas oferecem novos serviços baseados em modelos de linguagem, cuja proposta é aumentar, com o auxílio da tecnologia, a produtividade individual na elaboração de conteúdo - textos e audiovisual. Ficará mais fácil e rápido produzir um imenso oceano de textos padronizados - contratos, relatórios, atestados, entre outros.
A facilitação da produção de conteúdo também significa aumento exponencial de informações disponíveis. Considerando o volume e a qualidade do conteúdo que circula atualmente, surgem questões críticas: quem define os parâmetros dos modelos? Eles favorecerão mentiras e teorias conspiratórias? Haverá robôs e perfis automatizados manipulando opinião pública?
Atualmente, estima-se que mais da metade do tráfego da internet corresponde a robôs. A integração dos modelos de IA nesse ambiente sugere um cenário de poluição informacional e manipulação inédita, aprofundando problemas já críticos.
Uma coisa é certa: alguém sairá ganhando.
Por Lino Breger
Atualmente, estima-se que mais da metade do tráfego da internet corresponde a robôs. A integração dos modelos de IA nesse ambiente sugere um cenário de poluição informacional e manipulação inédita, aprofundando problemas já críticos.
Uma coisa é certa: alguém sairá ganhando.
Agitador Cultural
