Foi de um amigo que ouvi boa definição de meu primeiro livro, 'De brutos e vivos'. Ele afirmou que parecia que Murilo Rubião havia escrito um romance. Eu acrescentaria que, fosse esse o caso, Murilo teria em mente o romance 'Memórias Póstumas de Brás Cubas', de Machado de Assis.
Confesso meu pouco conhecimento da obra de Rubião. Ao investigá-lo, a primeira coisa que me caiu ao colo foi o conto 'O pirotécnico Zacarias', publicado originalmente em 1974, que encontrei no livro 'Obra Completa', da editora Companhia das Letras.
No conto, o narrador logo de início relata a dúvida que paira entre conhecidos e pessoas de sua relação: estaria ele vivo ou morto? Ele próprio responde:
"Em verdade morri, o que vem ao encontro da versão dos que creem na minha morte. Por outro lado, também não estou morto, pois faço tudo o que antes fazia e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente."
A descoberta tardia da literatura de Murilo Rubião, um precursor do que se denominou de realismo fantástico - vertente tanto explorada por autores latino-americanos - trouxe (apesar das falhas que Ana Claro apontou) grande satisfação. Pude compreender o tamanho do elogio que meu amigo fizera.
O próprio Murilo Rubião atribuía a Machado, em particular à 'Memórias Póstumas de Brás Cubas', uma de suas principais influências. Na obra machadiana, outro morto vem à público para narrar os acontecimentos de sua vida.
E aqui igualmente reside a origem do 'De brutos e vivos'. Muitos anos atrás, durante uma noite boêmia, jogava eu conversa fora com a crítica Ana Clara Melo sobre literatura.
Quando pelo acaso o assunto tocou no livro de Machado de Assis, Ana soltou uma frase que permaneceu repicando em minha cabeça: Brás Cubas era capaz de lembrar detalhadamente do passado porque a morte devia curar demência e Alzheimer.
E se não curasse? E se o morto se esquecesse do passado?
Daí essas inquietações cresceram até produzir o romance, em que se mesclara uma homenagem à São João Del Rei, uma revisita a fatos históricos recentes e uma discussão em torno de memória e da identidade pessoal.
Um romance que, de original, frente às heranças de Machado e Rubião, é preciso confessar que talvez tenha muito pouco.
Escritor
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