Poesia não é qualquer coisa - Escritor CF Scuo
Ana Clara MeloCrítica literária

Poesia não é qualquer coisa

As tecnologias digitais trouxeram uma multiplicação do fazer poético e da distribuição de poesia. Essa explosão literária da internet também tem fomentado a discussão da qualidade estética da poesia produzida. O que é, afinal de contas, poesia?

Falamos de poesia porque, ao longo da história, ganhou corpo uma forma de literatura distinta daquelas realizadas em prosa. Ela portanto apresenta características particulares. Poesia não é qualquer coisa. Consiste na escrita de textos marcados pela condensação de significados e ritmo, capaz de levar o leitor a recriar, com um impacto poderoso, ideias e emoções.

Nessa busca pela condensação e pelo ritmo, por emoções e por ideias, a poesia explora recursos de linguagem, imagens e estruturas formais. E se mostra um meio de expressão complexo, às vezes imaginativo, evocativo, imagético, concreto, figurativo, seco.

Pode-se explorar, em maior ou menor medida, aspectos formais, como métricas e rimas. Muitas vezes se utiliza o senso de ritmo e fluxo para compor temas e ideias. Outras tantas, o ritmos tem menor importância.

É bastante positivo a expansão da poesia e do número de poetas, pois ela constitui em um dos modos mais autênticos de expressão. Deve-se ter, no entanto, cuidado quanto às aspirações dos autores, porque mesmo os poetas do cânone brasileiro mostram uma produção com variações de qualidade.

Poesia de qualidade?


Beleza, profundidade de significado, ritmo, versos, sentimentos: a qualidade depende da combinação de uma rica complexidade de elementos e de sua repercussão entre o conjunto de leitores. Quem dá vida ao texto e produz a experiência de sua qualidade é o leitor.

Nesse aspecto, o autor - de qualquer tipo de texto - tem as mãos amarradas. Como um grande chefe de cozinha que não possui o senso do paladar, ele cria os pratos - mais ou menos saborosos - para usufruto dos outros. Nesse sentido, o autor se condena a demandar sempre o reconhecimento de terceiros.

Isso faz da poesia uma forma literária das mais contraditórias. Por um lado, ela oferece ao realizador um meio de expressão potencialmente personalíssimo. Por outro lado, será um personalismo que almeja a uma universalização - no qual se reconheçam os leitores e, consequentemente, não seja tão pessoal assim.

O poeta é um fingidor, diria Fernando Pessoa. Se há algo de pessoal no poema, será também um pouco mentiroso. É a intenção de falar de si mesmo que, no fundo, é mais a intenção de falar do outro: como se o outro fosse você.

Um poema se propõe a compartilhar com pessoas anônimas a evocação de emoções ou imagens, a produção de significados, o ritmo. Busca ser um texto pessoal de qualquer um.

Considerar o leitor envolve, assim, tratar o sentimento mais íntimo como se não fosse seu, mas de outra pessoa. Para tanto, deve-se estar disposto a criticar, em primeiro lugar, a si mesmo, em seguida o conteúdo e a estrutura do texto, a linguagem, os recursos literários empregados, a concatená-los ao redor do eixo da leitura.

Finalmente, lembrar de que no poema caberá o inesperado. Há tanta coisa escrita por aí. O desafio é fazer do encontro entre leitor e o poema uma experiência única, íntima. É bom que um poeta torça pelo poema e pelo leitor. Ou talvez seja tudo o que um poeta pode fazer.





Por Ana Clara Melo
Crítica Literária

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