A caneta e o teclado na formação do texto

Ilustração em estilo gravura sobre papel branco mostrando duas mãos: uma escreve com caneta sobre papel, a outra digita em máquina de escrever. Linhas pretas espessas e textura de impressão evocam técnica de linoleogravura, destacando o contraste entre escrita manual e datilografia.
Escrever à mão ou digitar um texto em um processador de texto possui alguma importância? Há quem diga que não. Talvez porque se mantenham indiferentes às peculiaridades de um e do outro ato de escrita. São modos distintos de escrever e podem influenciar na elaboração do texto.

Tempo e matéria

Uma primeira distinção refere-se à velocidade. Digitar geralmente é mais rápido do que escrever à mão, o que pode ser benéfico para quem trabalha com prazos apertados ou que precisa colocar no papel rapidamente suas ideias, de modo a não perdê-las.

Muitos jornalistas, por exemplo, redigem diretamente no computador para acompanhar a urgência das pautas; autores como Isaac Asimov também preferiam datilografar por causa da fluidez do pensamento em ritmo acelerado.

Por ser um processo mais lento, escrever à mão convida o autor a lidar com o tempo morosamente, fomentando um pouco mais de ponderação a respeito das ideias e de sua transformação em texto escrito. Não é à toa que escritores como José Saramago, Natalia Ginzburg e Raduan Nassar redigiam extensos trechos à mão, acreditando que o movimento físico da escrita favorecia clareza e densidade reflexiva.

O mesmo se observa em importantes acervos e manuscritos da literatura brasileira. Autores como Clarice Lispector deixaram cadernos e rascunhos manuscritos. João Guimarães Rosa conservou versões e notas que revelam um trabalho intenso sobre o manuscrito. Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto igualmente mantiveram arquivos de rascunhos e revisões à mão.

Outra distinção diz respeito ao aspecto físico. A digitação torna-se útil para quem sente desconforto ou dor ao escrever à mão por longos períodos de tempo. Representa uma experiência mais pobre, sem a mesma riqueza física e sensorial da escrita manuscrita - características que ainda agradam a inúmeros escritores.

Elena Ferrante, por exemplo, afirma que escrever à mão lhe dá a sensação de estar dentro da frase. Já Truman Capote dizia ser um autor horizontal, porque escrevia todo o primeiro rascunho à mão, deitado no sofá, antes de passar ao datilografado.

O meio e a mensagem

A forma de escrever também interfere na produção da obra. A digitação em editores de texto revolucionou a prática da escrita, pois facilita a realização de edições e correções. À medida que se escreve, o autor dispõe da opção de quase instantaneamente editar o texto, reorganizar parágrafos ou testar variantes de frases. Zadie Smith e Salman Rushdie já comentaram como essa plasticidade do texto digital modificou o modo contemporâneo de revisar e reescrever.

O mesmo não ocorre quando se escreve à mão. Em trabalhos manuscritos, edições demandam alterações físicas no texto e no papel. De certa maneira, a escrita à mão impõe uma menor flexibilidade nas etapas de produção da obra, o que pode ser positivo para quem precisa se dedicar primeiro à criação do texto, para somente em seguida passar à edição e correção. Dostoiévski escrevia versões longas e densas à mão antes de permitir qualquer intervenção do editor - justamente porque desejava que o pensamento inicial tivesse tempo de maturar.

No geral, a escolha entre digitar e escrita à mão dependerá das necessidades individuais do escritor. Sei que o poeta crroma normalmente escreve à mão. Poderia acrescentar também aqueles que preferem ditar o livro a uma pessoa ou a um programa computacional - como fez Henry James em sua fase final ou, mais recentemente, autores que utilizam softwares de voz para obter maior espontaneidade no fluxo verbal.

Minha predileção é por digitar o texto, mas procuro explorar todas as opções disponíveis - antes que os modelos de linguagem substituam quem escreve por uma máquina.




Por CF Scuo
Escritor